sábado, 3 de setembro de 2011

Os Não-Heróis de 2010

Olha só, esse blog não foi abandonado! Então eis-me aqui, em meio a trocentos trabalhos de programação para falar um pouco sobre quatro filmes lançados ano passado (um sobre os quais já falei anteriormente aqui) que são, digamos, comparados injustamente por terem um princípio básico em comum.


A linha de padrão entre essas 4 obras é bem básica: um cara simples, que se dá mal em praticamente tudo na vida, um dia percebe que as coisas não vão bem e resolve virar um herói igual os dos quadrinhos, só que sem poderes especiais nem nada. Essa é a premissa extremamente crua de cada um desses quatro filmes.

Isso é comum, histórias baseadas em uma premissa pré-determinada sempre foram comparadas como se fossem cópias umas das outras (o que em alguns casos até são), mas aqui eu notei uma injustiça maior ainda, o que levou três desses filmes a não alcançarem o merecido destaque na mídia e na boca do povo.

Pois bem, vou listá-los na ordem em que assisti, então comecemos com o meu favorito de todos e também membro do meu famoso Top Quartro de Melhores Filmes do Mundo de Todos Os Tempos Ever Da História do Ramone:

SCOTT PILGRIM CONTRA O MUNDO!

Para as duas pessoas que não sabem, Scott Pilgrim é a adaptação cinematográfica da uma graphic novel de 6 volumes lançados de 2004 a 2010 (cujo lançamento da última edição fez o filme ter o final regravado, by the way), contando a vida de um cara folgado, gamer e baixista de uma banda que descobre a garota dos seus sonhos e deve, literalmente, lutar por ela.

Eu já escrevi mais a fundo sobre a saga neste post aqui, então vou pular para a parte que interessa: onde entra Scott Pilgrim e sua vidinha preciosa nesse quarteto? Simples: ele é um cara anti-social, só simpatiza com seus amigos, falha na vida e é pisado por seu passado, porém algo acontece e Scott precisa crescer, precisa amadurecer e ficar forte para lutar contra a gigantesca mudança que Ramona Flowers causa em seu mundinho ao aparecer.

Mesmo assim, Scott Pilgrim acaba por ser o membro mais "deslocado" desses quatro, justamente por não focar tanto na parte do herói (que fica apenas como subjetiva no filme), mas na sua evolução como pessoa. Ele não precisa de um uniforme, uma arma ou nada do tipo - ele apenas luta igual nos games!

Aliás, deixem-me fazer deste parágrafo uma grande divagação que acabei fazendo esses dias, e que preciso compartilhar (SPOILERS ENORMES NO PRÓXIMO PARÁGRAFO, NÃO LEIA SE NÃO QUISER SABER DETALHES CRUCIAIS DA HISTÓRIA TODA):

Cheguei à conclusão de que a história pode ser interpretada como uma grande fantasia dentro da mente de Scott: ele não "lutou" literalmente com cada ex maligno da Ramona, mas ele os confrontou, ele a ajudou a superar o passado, a esquecer completamente Gideon que ainda representava algo para ela, e conseguiu assim o amor da moça, que se entrega completamente a ele. Seguindo esse ponto de vista, todas as lutas e demais surrealidades na história seriam apenas uma "válvula de escape" saída da mente de um cara viciado em games da era 16bit. Todos os ex seriam fantasmas do passado de Ramona: Patel, o primeiro beijo; Lucas Lee, o cara descolado; Todd, o bonitão; Foxy, a experiência lésbica; os irmãos Katayanagi como um caso de bigamia (aliás, deixo claro que esses caras foram a coisa mais mal aproveitada no filme, mas mesmo assim geraram uma ótima cena de batalha); e finalmente, Gideon, o primeiro real amor de Ramona. Ela realmente amava Gideon, e após o término do namoro e com a mudança de Ramona para o Canadá, ela teve que o esquecer, porém não foi tão fácil assim, o que a fez se tornar a garota amarga que vemos no filme. Foi somente com a ajuda de Pilgrim que ela conseguiu redescobrir o amor e superar seu passado de mágoas! E claro, também temos a parte de Scott, que, vejamos, se caracteriza por quatro garotas marcantes em sua vida (no filme): Kim, a antiga "peguete" que ele magoou sem querer; Envy, o antigo amor de Scott, que assim como aconteceu com Ramona e Gideon, acabou e não foi esquecido por um deles, deixando-o traumatizado; Knives, a tentativa de Scott de voltar ao mundo dos relacionamentos, de começar tudo de novo pelo jeito fácil e inocente, mas mesmo assim fazendo merda por não perceber que colocou esperanças demais na garota; e finalmente, Ramona, a garota que realmente simboliza a superação de Scott por todas essas desilusões amorosas e pela qual ele arriscaria sua vida. Mas é claro, isso tudo é apenas fruto de uma mente desocupada, porém é um ponto de vista a ser considerado.

Pois bem, concluindo: Scott Pilgrim vs The World apesar de destoar dos outros três filmes com certeza merece uma grande atenção, e vocês todos sabem por quê! Até porque, ele foi injustamente menosprezado no Brasil e em grande parte do mundo por "parecer uma cópia" do nosso próximo filme, que é...

...Kick-Ass!

Apesar de ser um grande filme, foi uma das maiores decepções que tive do cinema de 2010, justamente por ser TÃO falado mas não estar à altura dos comentários na internet. Mas vejamos:

aqui temos a história de Dave, um nerd clichê que ama uma gostosa clichê mas não tem a mínima chance com ela. Eis que, em um dia fatídico na loja de quadrinhos, Dave percebe o quão erradas as coisas estão no mundo, e a partir daí surge sua ideia de se tornar um herói urbano, um cara com fantasia colante sem superpoderes mas que bota ordem no galinheiro mesmo assim!

Com o passar do filme e o desenrolar dos fatos, Kick-ass (o nome que ele deu ao seu alter-ego de fantasia) recebe uma atenção cada vez maior da mídia, o que faz despertar o mesmo senso heroico em um pai viúvo e sua pequena filha. Os dois são podres de ricos e conseguem fazer uma espécia de Batman & Batgirl modernos, com apetrechos dignos do Senhor Ueine.

A diferença entre a família Macready e Dave Lizewski é que enquanto Dave quer fazer justiça para ser um cara foda parecido com os seus ídolos dos quadrinhos, Hit Girl e Big Daddy (se não me falha a memória, os nomes são esses) estão atrás é de vingança contra o chefe do crime organizado da cidade, que foi culpado da morte da senhora Macready e saiu impune.

Fãs do filme e dos quadrinhos que o originou devem estar querendo me comer vivo agora, então eu vou dizer logo: eu não revi o filme para escrever isso, muito menos li os quadrinhos, então se errei algo, apenas comentem educadamente aí embaixo, obrigado.

Enfim, o que me decepcionou muito nesse filme aqui foi o fato de que Dave Lizewski é um Peter Parker genérico, Big Daddy é um Batman mais emotivo (até a fantasia lembra ele) e o "chefaum finau" é um típico clichê de mestre do crime organizado que late ordens de seu escritório chique. Nada de novo, nem a grande moral do filme não conseguiu me fazer gostar desse filme, porém, ta aí. E falando em moral, agora é hora de falar do segundo maior destaque do dia:

Super!

Ok, este filme provavelmente não foi e não será lançado no Brasil, por motivos que não faço a mínima ideia.

Aqui temos a história de Frank D'Arbo, um antissocial extremamente religioso e seguidor dos bons costumes que vive com a mulher, a vagabunda Sarah, uma viciada em tratamento. Eis que um dia entra um Kevin Bacon sob a alcunha de Jacques em seu caminho, e Sarah, apaixonada pelo poder que o cara tem sobre o tráfico de drogas na cidade, larga Frank para morar com o fodão.

E é aqui que o filme realmente começa, em um ponto em especial que resume todo o resto do filme: deprimido pela perda da mulher, Frank começa a ficar paranoico, ter alucinações e todo o tipo de viagem mental, até que decide comprar um gibi e percebe o quanto o mundo parece melhor nas histórias em quadrinhos. Ele vê o bem que os super-heróis fazem, e, numa tentativa de consertar o lixo que é sua vida e ainda melhorar a sociedade em que vive, ele se torna o Crimson Bolt (Raio Flamejante, numa tradução porca -q).

Armado com sua perseverança e eterna paciência, o Crimson Bolt se esconde em cantos escuros pela cidade, esperando "algo acontecer". Não demora muito para ele ganhar a atenção da mídia (claro) e se tornar um meio-termo entre herói e ameaça (claro).

Mas eis que Libby (Ellen Page, sempre uma guria legal de se ver), a atendente da loja de quadrinhos, começa a adorar o Crimson Bolt como um Deus, e ao descobrir que ele é na verdade Frank, se torna a Boltie (Raiozinha, ou coisa assim :3), e passa a "ajudá-lo", sem convite, na luta contra o mal.

Mais uma vez, temos a mesma premissa do fracassado que veste uma fantasia para se tornar algo especial, desta vez avançando um pouco para alguém na casa dos 30, ao contrário dos anteriores que mostravam inocentes juvenis. Mas o diferencial de Super é a fortíssima carga psicológica e emocional centrada em Frank, o pobre Crimson Bolt. Toda a dor de ver a mulher ir para os braços de outro não parece sumir, temos a impressão de que Frank nunca superará isso, pois como acompanhamos, Frank considerava Sarah o amor de sua vida, porém a rotina monótona do american way of life deixou a mulher em depressão, e o carinho que ela possuía por ele foi a primeira coisa a desaparecer.

O spoiler a seguir contém praticamente todo o final do filme, não leia o próxima parágrafo inteiro se não assistiu ao filme.

Ao final do filme, Frank e Libby invadem a casa de Jacques durante a visita de um "superior" da rede de narcotráfico, e é durante a invasão dos dois que temos a maior surpresa do filme todo: Boltie é morta por um tiro certeiro na cara, e aqui ficamos paralisados ao ver o close na cabeça de Libby, arrebentada pelo tiro no olho. Frank então encarna algo que seria o elo perdido entre MacGyver e Han Solo, e decide entrar com tudo e estourar a porra toda. E ele realmente consegue, com vários ferimentos, mas consegue! Então o final do filme mostra mais uma coisa que não esperávamos: Frank consegue "resgatar" Sarah das garras de Jacques, a leva para casa sã e salva e passa a ter uma vida saudável e feliz com a mulher que ama. Só que algumas semanas passam e a mesma sensação de depressão volta a assombrar Sarah, que desta vez, ciente do dano que causou no cara (e dessa vez um pouco mais agradecida após ele ter praticamente salvo a mulher de uns disparos), resolve simplesmente ir embora pacificamente, e manter uma amizade saudável com Frank ao mesmo tempo em que constrói uma nova vida, sem drogas, com um novo marido e até filhos. E aqui entra a grande sacada do filme: todo o lance de Crimson Bolt, Boltie, as mortes e tudo mais foram coisas figuradas na mente de Frank! Após perder a mulher para um chapado, ele caiu em um estado tão forte de depressão que fantasiar tudo isso foi o único jeito que ele achou de passar por toda a barra que é perder um amor. Mesmo assim, Frank encontrou forças em si para seguir em frente, buscar Sarah e colocá-la em uma reabilitação, o que desta vez realmente salvou a vida dela. Temos aqui, senhores, a mesma máxima que Sucker Punch apresentou de forma bem aberta, só que de forma mais implícita: a criação de todo um universo para suprimir uma dor insuportável em alguém muito especial.

Bom, basicamente, Super é isso, um cara legal demais que nunca recebeu um sorriso da vida mas que parece viver bem com isso. Nesse filme percebe-se a forte carga religiosa, determinante para o momento em que Frank decide se tornar o Crimson Bolt. Um dos grandes destaque de 2010 na minha opinião, mas que infelizmente passou batido pela grande massa. E aliás, isso me lembra o quarto e último filme de hoje...

...Defendor!

O que é Defendor, para começo de conversa? Para a indústria de distribuição brasileira, um filme de comédia genérico com um gordo engraçado vestido de super-herói. O que o filme realmente é? Uma grande crítica à maneira como os excepcionais são tratados na sociedade atual, e com praticamente zero de comédia no total.

Aqui temos o caso de Arthur Poppington, que narra, de um consultório psiquiátrico, a sua história como Defendor, o herói das ruas e becos escuros. Desde o princípio percebe-se que Arthur tem problemas mentais, um certo retardo, mas o principal: ele é uma criança em um corpo de adulto, nada mais, nada menos. E como tal, tudo o que ele quer é livrar o mundo do mal, que na visão dele é representado pelo maligno Capitão Indústria.

Certa noite, Defendor salva uma jovem garota de programa de ser espancada e possivelmente morta por seus amigos/fornecedores de drogas/clientes/cafetões/ou sei lá o que eram. Ele decide então deixar a garota morar com ele em sua garagem, uma daquelas típicas warehouses para aluguel tão comuns nos Estados Unidos, onde Arthur mora de favor.

Arthur então conta para Kat (que tem o mesmo nome da atriz que a interpreta, Kat Dennings, outra guria super simpática mas que infelizmente não faz tanto sucesso) o que o motivou a se tornar Defendor: sua mãe era uma viciada em drogas, e devido a uma frase de seu pai que ele entendeu errado ("Ela foi morta por eles... os capitães das indústrias..."), Arthur persegue o tal Capitão Indústria, que ele não faz ideia de quem seja. E aqui Kat, para tirar com a cara dele, diz que um certo figurão do crime da cidade (que por coincidência acaba por ser o maior chefe do narcotráfico e do comércio de prostituição de estrangeiras daquela região do país, tudo num só cara) é o tal Capitão Indústria, e então Defendor decide começar sua batalha final contra o suposto homem que matou sua mãe.

A tagline do filme pode ser usada como uma mensagem de moral já pré-definida: "Fight back!" (algo como "Lute de volta", "Não deixe por menos", ou coisa parecida), o que significa que devemos nos impor à violência, já que estamos tão acostumados a conviver com ela em todos os lugares da sociedade. Vemos violência em tudo, todo o tempo, e nada muda, nunca, e por que? Porque ninguém se opõe. Mas pra mim, essa mensagem acaba ficando secundária, e outra acaba se destacando mais ainda.

Arthur, como já disse antes é uma criança crescida, mas não amadurecida. Ele apenas sabe a diferença entre certo e errado, porém somente isto já lhe basta para ter uma vontade sem fim de mudar o mundo como o conhecemos. Aqui vemos um Woody Harrelson novamente arrebentando todo o elenco com sua atuação carismática, seus trejeitos próprios para o personagem e sua confiança total em si mesmo.

E aqui eu acabo com minhas palavras sobre estes filmes tão incríveis mas ao mesmo tempo tão equivocadamente descartados pela maioria! Claro que sempre há mais a se falar num contexto diferente, porém dentro desse aqui, creio ter atingido meu limite para o momento, haha.

Cheeryo!